Às vezes, sem quê, nem porquê, ocorre-nos pensar cada coisa mais inesperada que, se bem que no primeiro momento, pela surpresa, nos possa divertir, depois, até nos faz reflectir e pensar.
O ano, de 2008, terminava.
Por escolha minha, estava só, como já estivera no Natal.
À medida que o tempo vai passando, cada vez mais, estas e outras datas, ganham tão profundo significado, que o acto de as comemorar requer uma intimidade connosco próprios que só se consegue no silêncio e na solidão.
Minha Avó, frente aos grandes acontecimentos, tristes ou alegres, recolhia-se dizendo: - vou rezar!
Lembro-me de não entender, o que agora se me afigura tão evidente como reconhecer que as nascentes brotam do misterioso interior da terra.
Claro que, estando só, podia escutar dentro de mim, como numa sinfonia, o eco, amalgamado, de tudo o que a Vida já me deu.
Assim, dei comigo lembrando o costume antigo das famílias quando se reuniam, nas tardes, ou aos serões, para conviver, jogar damas, cartas, dominó, xadrez, mah-jong, ao assalto, à glória...
As escolhas eram feitas de acordo com o número de pessoas, as idades e os gostos. Então, em épocas de festividades, nas grandes confraternizações familiares, quando as presenças eram bem heterogéneas, ou se escolhiam os jogos, de acordo com as preferências, por pequenos grupos, ou se fazia uma grande mesa para envolver as crianças e lá aparecia a bolsa - quase sempre - de veludo - com as bolinhas numeradas e os cartões para o loto que dava para entreter muita gente ao mesmo tempo.
Recomendava-se apenas: - quem amua, por perder, não pode jogar e, assim, se estimulava o brio da garotada que não querendo fazer má figura - entre os grandes - aprendia a suportar esses 'pequenos desaires' com dignidade.
Neste fim de ano de 2008, fiz, para meu conforto íntimo, uma retrospecção de memórias acumuladas até onde a lembrança me pôde, ainda, levar.
A certa altura, evoquei as 'paciências' de cartas que tinham, então, uma função calmante, benéfica, apaziguadora do nervosismo das inevitáveis esperas, sempre que alguém faltava ou se atrasava criando preocupação.
Como um reflexo do que recordava, agarrei, ainda hesitante sobre o que fazer, na caixa das cartas. Esvaziei-a sobre a mesa sem vontade definida.
Entretanto, fui manuseando-as, quase a olhá-las uma a uma, como quem revê esquecidos retratos de família.
Parei, nem sei quanto tempo, com as reservadas para jogar o 'crapaud,' segurando-as como um leque.
Crapaud é jogo para dois. Não poderia ser. Uma paciência era a solução possível.
Assim decidi.
Impunha-se, para isso, tirar as cartas que, muito embora sendo do baralho e completando-o, nestes jogos de entretenimento, ficam de fora, porque não são necessárias.
Melhor dizendo: estão de sobra, estão a mais.
Até se podem guardar à parte para evitar que atrapalhem.
Às vezes, se calhar perderem-se, até se poderá lamentar o facto dizendo: foi pena! faziam parte do conjunto...
Mas, logo se aduz, serviam tão pouco! Nem se vai dar por isso. Fiquei a olhar os pobres curingas. Coisa estranha!
Chamei-lhes pobres, porquê?
São os menos comuns. Nalguns jogos até os mais importantes. Valiosos. Há casos em que até exibem um certo mimetismo!
Fazem as vezes de outras com igual préstimo, são, digamos: -poli-valentes...
Estranha na sociedade das cartas, a situação do curinga... Onde pode valer tudo, ou nada...
Pode ser imprescindível ou absolutamente inútil, como sorte de gente.
De muita gente. De tanta gente...nestes jogos de família. Talvez por isso o configurem muitas vezes de clown...
Vá-se lá saber, desse jeito, se está a rir ou a chorar... Nem ele quereria que o soubessem - suspeito!
2009 - chegou! - ou tudo, ou nada ! - Como o curinga. - Rir? - Chorar?
Depende - também - de quem baralha, dá cartas e tem o jogo na mão...
Haja esperança!
Embora se saiba que há quem faça batota e ganhe sempre...
Feliz 2009!
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in Jornal Linhas de Elvas, 8 de Janeiro de 2009
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Disse Maria José Rijo: Tempos melhores, só virão com Homens melhores, e esse esforço, essa luta, é de todos nós !
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