Forças
Ele está na rua, perto de um candeeiro, como se esperasse alguma coisa. De cima, como que voando, outro alguém que vai passando despreocupadamente por ali, reconhece-o e fica a observar. Pode ser que venha a precisar de ajuda, porque parece não saber exactamente onde está, nem o que está a fazer ali e, se calhar, nem sabe como voltar.
- Voltar para onde?
- Em princípio deve ser para a sua casa…
- Mas pode andar-se por aí sem saber como?
- Poder pode, mas geralmente vamos por aí seguindo os instintos, ideias preocupadas ou fúteis ou outras mil que porventura assomem nas mentes.
- Então que se deve fazer? Deixar de se preocupar? Ter apenas pensamentos sérios?
- Bem, tudo depende dos nossos pensamentos, ou melhor, da nossa maneira de ser e de elaborar esses pensamentos no quotidiano da nossa vivência.
- Mas apenas nós temos essa força?
- Não, a partir daí identificamo-nos com outros iguais, ou piores que nós, que podem querer dirigir-nos a seu bel-prazer.
- Então continuo a perguntar. O que fazer para não andarmos por aí sem saber como, nem porquê e sentindo-nos perdidos?
- Isso requer muita força de vontade para que dia a dia, hora a hora, a cada instante em que se reconhece um pensamento excessivo, seja pela sua força em preocupação ou desgosto, seja pelo seu prazer em imaginá-lo ou senti-lo – ou em sentir consolo ao idealizá-lo por motivos materiais e bem físicos – a cada vez que se reconhece uma destas condições, e outras mil como estas, ser capaz de emendar esses pensamentos e corrigi-los com outros que julguemos mais apropriados e didácticos para a personalidade que gostaríamos de ter.
- Essa reeducação, essa transferência… se é possível, demora uma eternidade, ou é impressão minha?
- Pode demorar uma vida inteira… mas vale a pena, de certeza, o sacrifício da vigilância.
- Já tenho para o dia! Até amanhã!
- Até amanhã!
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Disse Gustave Flaubert: Talvez a morte tenha mais segredos para nos revelar que a vida !
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