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Escritos de Eva

Eva diz o que sonha (e não só) sem alinhamento a políticas ou crenças conformes às instituições que conhecemos. Momentos de leveza, felicidade ou inspiração para melhorar cada dia com bons pensamentos. Um texto, uma imagem... para todas as idades

Eva diz o que sonha (e não só) sem alinhamento a políticas ou crenças conformes às instituições que conhecemos. Momentos de leveza, felicidade ou inspiração para melhorar cada dia com bons pensamentos. Um texto, uma imagem... para todas as idades

Escritos de Eva

27
Abr08

Natália Correia # Uma flor de harmonia... e Sete motivos...

eva
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UMA FLOR DE HARMONIA NO PLENÁRIO

Aos jovens da UEDS que cavalheirescamente me ofereceram um cravo no plenário

Dá-me um cravo Vitorino:
Comove-me o galardão.
Mas meu horto é feminino:
Rosa lhe darei então.

Porque se o cravo é viril
Quer ele concubinato.
Sendo a rosa feminil,
Temos o androginato.

Que nessa grande harmonia,
É que há revolução:
Feita a vida poesia
E a luta feita união.

Mais ou menos socialismo?
Eu tomo essa embarcação.
Se a diferença está no ismo,
Está no cravo a comunhão.

In “Cantigas de Risadilha”


SETE MOTIVOS DO CORPO

VI

Quando em halo de fêmea húmida e quente
São íntimas ao fogo as ancas sábias,
Está o corpo maduro no seu tempo
Aromático de rosas esmagadas.

São as Circes: fogueiras reclinadas
Como panteras em nuvens de magnólias;
Coxas versadas em abrir às lavas
Do desejo confins de lassas glórias.

Do amor, lúcida e plena anatomia;
Magníficas mulheres com flor e fruto;
Corpos de vagarosa fantasia
Que a febre afunda em estrelas de veludo.

Num esplendor de poentes envolvidas,
Sentadas têm pálpebras de violetas;
Mas erguem-se abrasadas; e despidas
São um verão a sair de meias pretas.

Capelinas que lendas insinuam,
De segredos os olhos lhes sombreiam.
Dos ombros pendem-lhes mantos de volúpias.
São fábulas que os moços estonteiam.

E aos seus leitos de prata e tílias altas
Ébrios de lua sobrem os mancebos.
Elas enterram -se nuas como espadas
Nas suas virilhas e armam-nos cavaleiros.

Ó sazonada carne que circunda
De asas, abismos e suados cumes
O mistério do ovo, dando sombra
Ao pénis que procura o fim do mundo.

In “O Armistício”
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Disse  Henry Brooks Adams : a prática política consiste em ignorar os factos !
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13
Abr08

Natália Correia # Retrato talvez saudoso... e A defesa do poeta

eva
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A ti, Mãe, primeira maravilha dada aos meus olhos, eu dedico estes poemas. Subida da tua carne, a minha luz pertence-te. Toma a minha dor e a minha alegria e este desespero que floresce à sombra do teu mistério.

Sou filha de marinheiros
pelo mar que também quis.
Pela linha da poesia
sou neta de D. Dinis.
Aquilo que nunca fiz
é a minha bastardia.

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RETRATO TALVEZ SAUDOSO
DA MENINA INSULAR

Tinha o tamanho da praia
o corpo que era de areia.
E mais que corpo era indício
do mar que o continuava.
Destino de água salgada
principiado na veia.

E quando as mãos se estenderam
a todo o seu comprimento
e quando os olhos desceram
a toda a sua fundura
teve o sinal que anuncia
o sonho da criatura.

Largou o sonho no barco
que dos seus dedos partiam
que dos seus dedos paisagens
países antecediam.

E quando o corpo se ergueu
voltado para o desengano
só ficou tranquilidade
na linha daquele além
guardada na claridade
do coração que a retém.

In “Poemas”
 

 
A DEFESA DO POETA¹

Senhores juízes sou um poeta
um multipétalo uivo um defeito
e ando com uma camisa de vento
ao contrário do esqueleto.

Sou um vestíbulo do impossível um lápis
de armazenado espanto e por fim
com a paciência dos versos
espero viver dentro de mim.

Sou em código o azul de todos
(curtido couro de cicatrizes)
uma avaria cantante
na maquineta dos felizes.

Senhores banqueiros sois a cidade
o vosso enfarte serei
não há cidade sem o parque
do sono que vos roubei.

Senhores professores que pusestes
a prémio minha rara edição
de raptar-me em crianças que salvo
do incêndio da vossa lição.

Senhores tiranos que do baralho
de em pó volverdes sois os reis
sou um poeta jogo-me aos dados
ganho as paisagens que não vereis.

Senhores heróis até aos dentes
puro exercício de ninguém
minha cobardia é esperar-vos
umas estrofes mais além.

Senhores três quatro cinco e sete
que medo vos pôs por ordem?
que pavor fechou o leque
da vossa diferença enquanto homem?

Senhores juízes que não molhais
a pena na tinta da natureza
não apedrejeis meu pássaro
sem que ele cante minha defesa.

Sou um instantâneo das coisas
apanhadas em delito de paixão
a raiz quadrada da flor
que espalmais em apertos de mão.

Sou uma impudência a mesa posta
de um verso onde o possa escrever.
Ó subalimentados do sonho!
a poesia é para comer.

___________________________
¹ Compus este poema para me defender no Tribunal Plenário de tenebrosa memória, o que não fiz a pedido do meu advogado que sensatamente me advertiu de que essa minha insólita leitura no decorrer do julgamento comprometeria a defesa, agravando a sentença.
 
In “A Mosca Iluminada”
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Disse  Paul Valéry :  É próprio das censuras violentas tornar credíveis as opiniões que elas atacam !
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06
Abr08

Natália Correia # Auto-Retrato e Ultrabiográfico

eva
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A autora para o mês de Abril é Natália Correia
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Natália Correia nasceu na Fajã de Baixo, a 13 de Setembro de 1923, na Ilha de São Miguel, Açores. Veio estudar para Lisboa ainda criança e cedo iniciou a sua actividade literária. Poetisa, ficcionista, ensaísta, tradutora, dividiu a sua criatividade pelo teatro e pela investigação literária.
Destacada figura da cultura e da intervenção política, viu vários dos seus livros serem apreendidos pela censura, chegando a ser condenada a três anos de prisão com pena suspensa, acusada de abuso de liberdade de imprensa.
Morreu em Lisboa a 16 de Março de 1993.
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AUTO-RETRATO

Espáduas brancas palpitantes;
asas no exílio dum corpo.
Os braços calhas cintilantes
para o comboio da alma.
E os olhos emigrantes
no navio da pálpebra
encalhado em renúncia ou cobardia.
Por vezes fêmea. Por vezes monja.
Conforme a noite. Conforme o dia.
Molusco. Esponja
embebida num filtro de magia.
Aranha de ouro
presa na teia dos seus ardis.
E aos pés um coração de louça
quebrado em jogos infantis.
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In “Poemas”
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ULTRABIOGRÁFICO

Por um mistério de cerejeira
Subiu a terra. Floriu em mim.
Ah, não ser eu a trepadeira
Com que cheguei ao meu jardim!

Uma gaivota como alimento,
Se é ser gaivota voar assim
Nesta voluta de alheamento
Da carga de ouro dum bergantim.

Se houver raiz ela é por dentro,
Que a minha raça é ser por fora
A esmeralda em que concentro
Uma linhagem que me devora.

Pela teoria dum instrumento
De sete cordas ou de nenhuma,
Sou uma frase escrita pelo vento
Numa parede como a bruma.

Que sexta-feira de estilhaços!
(na via-sacra é a paixão)
Se já morri foi nos meus braços
Por não haver ressurreição.

Cheguei a esta mitologia
Como os ciganos, pelo caminho.
Na minha humana eucaristia
Não há o pão. Só bebo o vinho.

Deixem ao céu a concordata
Com uma flor, se lhe apetece.
Mas não me mostrem santos de prata
Como quem mostra o que padece.

Para Jeová, sofro de mais.
Para o demónio, sofro de menos.
Prefiro os olhos dos animais
E o meu vestido de ver a Vénus.
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In “Passaporte”
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Disse Tahar Ben Jelloun : dizer sim a tudo e a todos é como não existir !
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Outros poemas de Natália Correia neste blog:
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30
Dez07

Natália Correia # Ó Véspera do Prodígio - IV

eva
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Creio nos anjos que andam pelo mundo,
Creio na deusa com olhos de diamantes,
Creio em amores lunares com piano ao fundo,
Creio nas lendas, nas fadas, nos atlantes,
.
Creio num engenho que falta mais fecundo
De harmonizar as partes dissonantes,
Creio que tudo é eterno num segundo,
Creio num céu futuro que houve dantes,
.
Creio nos deuses de um astral mais puro,
Na flor humilde que se encosta ao muro,
Creio na carne que enfeitiça o além,
.
Creio no incrível, nas coisas assombrosas,
Na ocupação do mundo pelas rosas,
Creio que o amor tem asas de ouro. Ámen.
.

de Natália Correia
in "Sonetos Românticos"
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06
Mai07

Clara Pinto Correia # Quem Tem Medo Compra Um Cão

eva
6 de maio de 2007

O Zé naquela altura andava sempre a dizer que as coisas nunca são exactamente como as pessoas sabem muito bem que elas são. Era uma frase um bocado esquisita que ele tinha descoberto num livro que estava dentro da arca das viagens do Pai Zé, por baixo de um monte de mapas do mundo muito antigos e cheios de buracos no meio dos mares e continentes. Era por causa dos índios que vivem nas florestas do equador, junto de uma cascata enorme que vem lá de cima de uns penhascos monstruosos e cai mesmo ao lado da aldeia com imenso barulho.
Faz parte da tradição desses povos comer os amendoins selvagens de casca encarnada que são arrastados pelas corrente e se abrem sozinhos quando batem nas rochas. Eles acreditam que estão a engolir a energia do deus rebelde das ondas, que há milhões de anos que anda ali a rugir aos turbilhões, porque ficam cheios de vigor e de força e nunca têm doenças. Quando os exploradores brancos lá chegaram perceberam logo que não era nada disso, e que os amendoins só tinham aqueles poderes mágicos porque ao caírem no rio que forma a cascata ficavam muito enriquecidos em grandes quantidades de proteínas, vitaminas e sais minerais que abundam nos terrenos por onde a água corre e se diluem nela. Os índios ouviram esta explicação científica sem se impressionarem nada, e no fim começaram a rir-se e disseram:
«Está bem, homem branco. Fala para aí até caíres de morto. O que tu não percebes é que as coisas nunca são exactamente como as pessoas sabem muito bem que elas são».
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In “Irmãos Castanheira em Quem Tem Medo Compra Um Cão”
De Clara Pinto Correia
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