18
Fev10
Travessia
eva
uitos deles vêm em barcos, ou barcaças, e vêm por aquele rio escuro…
Saem de sítios diversos e o barco só faz o percurso entre o ponto da partida e o da chegada, sem quaisquer paragens e tentando aguentar-se pelo meio do dito rio escuro.
Os locais de partida são vários e em diferentes lugares das margens, tanto direita como esquerda, mais longe ou mais perto da chegada.
São trazidos, ou arrastam-se conforme podem, até ao ponto de partida que apenas se nota por ter formado uma pequeníssima enseada, ou clareira na margem do rio.
O barqueiro parece ser o mesmo, ou são todos semelhantes na figura e roupa, aparecendo com vestes largas e muito escuras.
A carga é só humana, não trazem mais nada, além dos indivíduos mais ou menos alinhados, geralmente mal trajados e com mau aspecto pelos maus tratos.
Muitos nem percebem ao que vêm, deixam-se levar, sem forças sequer para erguer a cabeça, ou simplesmente o olhar.
Aliás, parece que pretendem mesmo desviar o olhar de tudo o que possa rodeá-los.
Respira-se mal, tudo é escuro e parece confuso. No entanto, isto decorre tudo ao ar livre e tanto de noite como de dia.
Vão chegando e no local de chegada a luz deve provar-lhes que há alguma diferença na sua situação, porque abrindo ou não os olhos, todos vão voltando lentamente os rostos para a luz ténue que os vai iluminando.
Alguns como que acordam e, então, desatam a gritar e a tentar desenvencilhar-se de… nada…
Outros tentam manter uma postura possível (ou raiando o impossível das suas forças), mas outros continuam o seu arrastar.
Todos entram numa sala enorme, iluminada e com outros indivíduos que pretendem um ar digno, mostrar alguma superioridade e orgulho por estarem ali a esperar por estes que agora chegam.
E… coitados! Estes nem sequer percebem que todo o bom aspecto que pretendem encobre situações mais deficitárias que aquelas que vêm chegando…
- Sempre assim foi – mais coitado é aquele que não quer ver!